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Luto como mãe

08/04/2010

Treze de julho de 1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é instituído pela Lei 8.069. Vinte e seis de julho de 1990. Onze pessoas, entre elas sete menores são retiradas de um sítio em Suruí, distrito de Magé, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e levadas por homens armados que se identificaram como policiais. Os corpos nunca foram encontrados. Os familiares iniciam uma busca por justiça e o movimento fica conhecido como Mães de Acari.

Seis de dezembro de 2003. Quatro jovens são detidos por policiais militares que trabalhavam como segurança de uma casa noturna na Via Dutra. Os corpos são encontrados num sítio em Imbariê, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Esse é o Caso Via Show.

Trinta de março de 2005. Num intervalo de poucas horas vinte e nove pessoas são assassinadas em diversos pontos da Baixada Fluminense. Seis são executadas na porta de um bar, no bairro da Posse, em Nova Iguaçu. As outras vítimas são de Queimados. A matança seria uma represália à Operação Navalha na Carne que prendeu mais de sessenta policiais que teriam ligações com o crime. A Chacina da Baixada é considerada a maior e mais sangrenta da história do Rio de Janeiro.

Luto como Mãe (Right to Mourn, 2009) acompanha os familiares das vítimas desses três crimes na peregrinação por justiça em tribunais, passeatas e atos políticos. As mães são as mais engajadas no processo e as diversas associações formadas buscam dar apoio jurídico e psicológico, além de cobrar punição para os envolvidos.

O filme ilustra os três acontecimentos utilizando recortes de jornal e reportagens do rádio e da TV. O roteiro parte da explicação dos casos para chegar até as mães e insere o espectador no contexto socioeconômico e político da época. Um trabalho de pesquisa eficiente e preciso.

O diretor Luis Carlos Nascimento, um dos fundadores da ONG Nós do Cinema, editou o premiado curta-metragem Uma mãe como eu (2007) que serviu como teste para o corte final do documentário. Luis Carlos registrou passeatas, encontros e acompanhou os julgamentos realizados de 2006 até 2009. A montagem dispensa a figura do narrador e opta por deixar a história a cargo dos personagens.

Em alguns momentos a câmera registra o trabalho da imprensa e esse material, assim como as entradas ao vivo dos repórteres de rádio, servem para situar a ação. Simples e criativo. Ideias como essa evitam que a edição fique arrastada e ao mesmo tempo deixa o público sempre informado.

Um dos recursos narrativos do filme foi distribuir pequenas câmeras de vídeo digital para que as mães conversassem umas com as outras e tivessem liberdade para perguntar e responder às questões que surgissem naturalmente dos encontros. As pequenas filmadoras são leves, fáceis de operar e acabaram sendo usadas para gerar imagens que foram anexadas a outros inquéritos envolvendo violência policial.

O que deveria ser apenas mais uma experiência do chamado cinema reflexivo – os filmes em primeira pessoa que inundaram as últimas edições do Festival É Tudo Verdade – recebe um novo olhar ao gerar um terceiro produto, as denúncias, que são assimiladas pela montagem.

Mães de Acari, Caso Via Show, Chacina da Baixada, Chacina de Vigário Geral, Chacina da Candelária, Chacina da Favela do Barbante, Chacina do Pan, a lista é interminável. Luis Carlos poderia usar seu talento contando histórias sobre o Rio, usar sua criatividade para construir roteiros de ficção, mas infelizmente Luto como mãe é mais necessário.

Infelizmente, o filme é atual. Infelizmente, ele ainda será atual daqui a vinte anos. Infelizmente, não estaremos vivos para saber se um dia ele será visto como espelho de uma época, quase uma obra de ficção. Infelizmente.

Luto como mãe (Right to Mourn)

Brasil, 2009. 70 minutos

Direção: Luis Carlos Nascimento