O Nordeste brasileiro sofre com duas pragas há décadas: a seca, que parece ser eterna, e os políticos locais, que estão longe de mudar a maneira como governam a região. As mudanças climáticas que preocupam ambientalistas pelo mundo inteiro já ameaçam a maior bacia hidrográfica do planeta e, por incrível que pareça, a seca está chegando aos afluentes do Amazonas. E seca lembra Nordeste, que lembra verba extra, que lembra ajuda humanitária, doações, políticos, desvio de dinheiro…
O cineasta Felipe Lacerda, co-diretor de Ônibus 174 (2002), assina seu primeiro trabalho como realizador-solo partindo para o interior do país tentando mostrar como funciona a distribuição de alimentos para a população ribeirinha. O documentário tinha a intenção de registrar a logística operacional, o transporte e a entrega das cestas básicas, mas logo o diretor percebeu que uma história maior esperava para ser contada. O filme que seria voltado para a preocupação ambiental assume outros contornos, revelando os bastidores do circo político no Brasil.
Outubro de 2005. Felipe chega no dia da votação do Plebiscito Nacional sobre o Desarmamento e, sem conhecer a região, decide seguir os passos de um líder comunitário que conseguiu se eleger vereador. Em todos os ambientes, o assistencialismo e os constantes pedidos de ajuda, emprego, dinheiro e remédio se mostram parte da rotina do vereador, quase uma liturgia sagrada e obrigatória. Todos querem um benefício individual e uma palavra de conforto, querem ouvir que tudo será resolvido, não importa qual seja o problema. Mesmo sabendo que não pode solucionar todos pedidos, o político é obrigado a balançar a cabeça concordando.
A montagem conta duas histórias que logo se transformarão em uma. Vemos a Base de Operações do Exército, onde militares, políticos e conselheiros decidem a estratégia de ação. E as andanças do vereador e dos assessores do governador preparando o terreno para receber o auxílio vindo do Governo Federal, mas que “foi totalmente costurado e intermediado através do poder do Governo Estadual”, como gostam de afirmar os assessores. Desde a base de operações, passando pelos sucessivos embarques e desembarques, até a distribuição final, as cestas básicas são tratadas como uma mina de ouro, um cartão de visitas dos políticos locais.
A lente da câmera de Lacerda é atrevida, busca a fala escondida pela mão, pelo abraço amigo dos políticos, mas sabe respeitar a dor e angústia dos populares que mesmo com a vergonha precisam pedir, precisam tentar conseguir ajuda da forma que seja. O único momento em que Lacerda se detém é ao entrar na Prefeitura para participar de uma reunião entre os vereadores e o prefeito. A câmera fica sempre alguns passos atrás dos políticos e não sabemos se ela terá permissão para registrar a conversa. Do alto da escadaria, enquanto conversa animadamente com os outros políticos, o vereador-personagem acena discretamente para a equipe continuar em movimento, continuar seguindo seus passos até entrar sem aviso, sem preparação, quase que no susto na sala do prefeito.
Felipe Lacerda, na montagem, valoriza esse momento, repetindo e colocando em câmera lenta a mão do vereador dando o discreto sinal para a câmera. Sim, isso é um filme, é um filme político onde alianças são costuradas. Se o governador faz questão de desembarcar com as cestas básicas, abraçar a população e receber o crédito pela ajuda, Felipe deixa claro qual o papel do vereador-personagem dentro do filme e faz questão de mostrar isso de forma bem explícita.
Os Representantes faz um recorte preciso da situação política do interior do Brasil – será só no interior? – mostrando que os dois lados da moeda, os governantes e o povo, jogam em times diferentes, mas que conhecem as regras do jogo. Como bem disse um vereador no filme: “Antes era só chegar com cinquenta reais, um saco de cimento e pronto. Agora, não. É preciso fazer alguma coisinha…”
OS REPRESENTANTES (The Representatives)
BRASIL, 2010. 71 minutos
Direção: Felipe Lacerda