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O livro das férias

25/09/2009

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O jovem Ali (Tayfun Gunay) acorda cedo e vai para a escola. O último dia de aula do semestre passa lentamente, mas sem grandes surpresas. Antes de liberar os alunos, o professor entrega o livro das férias e recomenda que os meninos estudem e façam os exercícios para não voltarem sem lembrar da matéria. Na porta do colégio um menino mais velho arranca o livro das mãos de Ali e foge correndo. O garoto percebe que suas férias não serão nada normais.

O roteirista e diretor Seyfi Teoman utiliza um recorte da família do jovem Ali para mostrar as angústias e desesperanças dos moradores de uma pequena cidade próxima a Istambul. O irmão mais velho de Ali também está de férias, ele retorna para casa depois de mais um ano na academia militar. Veysel (Harun Ozua) não suporta a vida militar, pensa em desistir da carreira e toma coragem de contar a decisão ao pai, um austero e avarento agricultor que nem cogita a possibilidade do filho desistir do futuro certo como oficial do exército turco.

livrodasferias2Veysel compartilha do problema com o tio Hasan (Taner Birsel) e pede ajuda para pagar a multa de mil liras turcas. Hasan que não tem o dinheiro, já que a quantia é considerada alta, administra o açougue deixado de herança pelo pai e sempre discuti com o irmão mais velho por não ter conseguido vencer na vida sozinho.

Mustafá (Osman Inan) não quer que seu filho mais novo, Ali, siga os passos rebeldes do tio Hasan e do irmão mais velho e mantém o garoto sempre por perto. Com medo, Ali não conta que teve o livro das férias roubado e sem ter nada para fazer é obrigado a acompanhar o pai ao trabalho e vê seus dias de brincadeira se tornarem um sonho impossível.

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Güler (Ayten Tokun) sente a tristeza dos filhos e resolve interceder junto ao marido. Na verdade, Güller quer um pretexto para discutir e arrancar o nome da amante que ela jura que Mustafá sustenta.

Com esse mosaico de problemas e confusões estabelecido, Seyfi Teomam nos mostra que as dúvidas são as mesmas em qualquer parte do mundo. O que vou fazer quando crescer? Qual profissão vou escolher? Eu sou um bom pai? Estou acertando em trilhar esse caminho?

Teomam não fez um filme contemplativo e não deixou seus personagens sem rumo, ao contrário, fez questão de colocar mais fogo na lenha. Mustafá sofre um derrame cerebral quando voltava de viagem. Ao recobrar a consciência, o velho só consegue dizer ao jovem Ali que deixou muito dinheiro no carro e pede que o garoto vá buscar antes que alguém o roube. Está instalada a confusão. Güller tem certeza que o dinheiro era para a amante, Veysel vê a oportunidade de escapar do exército, Ali precisa voltar para a escola e sobra para Hasan a tarefa de recuperar o carro, o dinheiro e a honra do irmão.

Teomam nasceu na Turquia, em 1977, e estudou Direção Cinematográfica na famosa Escola Nacional de Cinema de Lodz, Polônia, a mesma de Roman Polanski. Em 2004, fez seu primeiro curta-metragem, Apartman, selecionado para vários festivais. O livro das férias, seu primeiro longa-metragem como diretor, venceu seis prêmios internacionais, entre eles o Zenith de Bronze no Montreal World Film Festival.

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O livro das férias (Tatil Kitabi)

Turquia, 2008. 92 minutos

Direção: Seyfi Teoman

Before the rains

25/09/2009

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O diretor Santosh Sivan está longe de ser um principiante, mas Before the rains (sem tradução para o português) é seu primeiro longa-metragem em inglês e uma co-produção entre Índia e Estados Unidos. Ao primeiro olhar, uma parceria entre Bollywood e Hollywood pode causar estranhamento, mas Sivan não utiliza a linguagem comum aos filmes de seu país, o musical.

Nascido na Índia, Sivan se formou no Instituto de Cinema e Televisão e começou a carreira como diretor de fotografia. Antes de se aventurar na direção, assinou a câmera de quarenta e cinco longas de ficção e quarenta e um documentários. Em 1995, realiza Halo, seu primeiro filme como diretor. O reconhecimento do mundo ocidental chegaria com dois trabalhos exibidos no Festival de Toronto: The Terrorist (1999) e Asoka (2001).

Santosh Sivan em ação

Santosh Sivan em ação

Essa introdução é necessária para compreender escolhas que o cineasta faz durante o percurso do roteiro. O aristocrata britânico Henry Moores (Linus Roache) se estabelece no sul da Índia como negociante de especiarias. O comércio com a Europa se intensifica, mas as monções duram meses, destroem as estradas e interrompem o fornecimento de mercadoria, transformando um negócio certo em investimento arriscado.

Apostando no futuro da região, Moores consegue um vultuoso empréstimo junto a um banco inglês para construir uma estrada ligando a sua fazenda ao ponto de distribuição. O projeto é caro e ambicioso.

Na década de 30, o movimento para a independência da Índia começa a ganhar forma e Moores precisa da ajuda de seu fiel empregado para convencer os trabalhadores locais a abraçarem a empreitada. T.K. (Rahul Bose) é um jovem indiano formado nas escolas britânicas que utiliza sua influência na vila para transformar o sonho do patrão em realidade.

Partindo dessa premissa, o diretor escolheu apontar sua câmera para a vida dentro da casa britânica em solo indiano e relegou para segundo plano um olhar mais atento aos moradores da vila e seus costumes. Santosh Sivan poderia percorrer o caminho inverso e nos mostrar o dia a dia na vila e as mudanças que décadas de contato com os britânicos fizeram a uma sociedade secular.

atores 1O diretor resolve esperar o momento certo para colocar o dilema tradição versus progresso. Apesar de ser um bem sucedido homem de negócios, Moores não consegue resistir aos encantos da jovem Sajani (Nandita Das) e o envolvimento dos dois compromete a frágil estabilidade local.

Santosh Sivan também acumulou a direção de fotografia e isso poderia ser um problema para a direção de elenco, mas a presença de atores pouco conhecidos, porém experientes, facilitou o trabalho. Rahul Bose é considerado o Sean Penn do cinema oriental, Nandita Das estrelou filmes como Fire (1996), Earth (1999) e foi membro do júri do Festival de Cannes 2005 e Linus Roache ficou conhecido do grande público em Batman Begins (2005).

Before the rains mostra um período conturbado da história da Índia de forma distante. Talvez querendo atingir um público maior ou seguindo orientações da produção norte-americana, Sivan não mergulha como poderia nas questões políticas, dando apenas uma pincelada superficial. Mesmo não tendo a pretensão de fazer um filme histórico, o diretor poderia ter ousado mais nos embates entre tradição e progresso.

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Before the Rains

Estados Unidos, Índia, 2007 98 minutos

Direção: Santosh Sivan

Katyn

25/09/2009

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Polônia. 1939. O exército polonês enfrenta as forças alemãs no lado Ocidental e a traição russa no front Oriental. A invasão é eminente. Diante do poderio bélico soviético, não resta alternativa senão baixar armas. Os soldados são dispensados, mas milhares de oficiais poloneses são transferidos para um campo de prisioneiros pelo comando russo.

Floresta de Katyn, Smolensk, URSS, 1943. O exército alemão controla a região e descobre, em imensas valas, os corpos dos oficiais poloneses, cerca de 15 mil. O alto comando soviético acusa a Alemanha pelo massacre. O governo de Hitler convoca a Cruz Vermelha Internacional para exumar os cadáveres. Documentos e recortes de jornal datam de abril de 1940, ou seja, durante a ocupação soviética. Um jogo político mascara a verdade que só vem à tona décadas depois. Estima-se que um terço dos oficiais poloneses foram assassinados. O massacre de Katyn torna-se uma mancha nas relações internacionais e uma ferida aberta no povo polonês.

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Katyn de Andrzej Wajda reconta essa história e revela ao mundo informações ocultas pelo regime socialista. Na prisão, o Capitão Andrzej (Artur Zmijewski) passa os dias anotando, num pequeno caderno, tudo o que considera relevante. Andrzej quer que Anna, sua esposa, saiba exatamente o que está acontecendo. Anna (Maja Ostaszewska) não desiste de confrontar as autoridades nazistas para saber o paradeiro do marido.

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O roteiro preenche as lacunas que ficaram abertas utilizando um vasto material da investigação de 1951, realizada por uma junta internacional. Fotos da autopsia, manchete de jornais, registros oficiais, laudos e um impressionante registro audiovisual realizado pelos alemães, ainda em 1943, enriquecem o filme e colaboram para a sensação de angústia que Wajda planeja passar.

A trama avança por dois caminhos, ora estamos com os militares na prisão, ora com os parentes e sua busca pela verdade. A escolha da direção em seguir por linhas paralelas se mostra acertada quando a luz dos fatos rompe a estrutura e faz com que esses dois mundos se encontrem.

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O excesso de personagens que permeiam a segunda metade da projeção parece enfraquecer e confundir o roteiro, mas Wajda sabe conduzir com perfeição esse momento. Tão rápido quanto surgem, os elementos partem e deixam como herança marcas profundas no andamento da trama.

O pai de Andrzej Wajda foi assassinado no massacre de Katyn quando ele tinha 13 anos e o diretor parece não ter poupado esforços para fazer deste um filme definitivo. Fotografia, figurino e direção de arte se combinam para criar um retrato poderoso da Polônia durante a II Guerra Mundial. No fim, a verdade nua e crua recebe um tratamento quase documental. Wajda não faz concessões e joga na tela o sangue coagulado, congelado por décadas, que agora jorra sujando mãos e lavando memórias.

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Exumação dos cadáveres em 1943

Katyn (Katyn)

Polônia, 2007 118 minutos

Direção: Andrzej Wajda

Patrick Swayze em cinco momentos

15/09/2009

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Patrick Swayze não foi o galã que Hollywood esperava, mas deixou alguns personagens marcantes e fez filmes desacreditados que se tornaram fenômenos de bilheteria. Dirty Dancing, lançado em 1987, esteve prestes a ser cancelado e o sucesso ao redor do mundo certamente deu um nó na cabeça dos executivos da indústria.

Swayse e Jennifer Grey em Dirty Dancing

Swayze e Jennifer Grey em Dirty Dancing

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Em 1989, Patrick Swayze deixa a dança de lado e leva a carreira para outro rumo ao fazer Matador de Aluguel. O filme, que pegou carona na moda Jean-Claude Van Damme, fez grande sucesso nas locadoras brasileiras. Swayze conseguiu equilibrar uma boa atuação com cenas de luta bem coreografadas. O veterano Sam Elliot, uma belíssima Kelly Linch e um roteiro enxuto fizeram um filminho de ação virar uma diversão interessante.  Outro ponto positivo para o ator que mostrou ser possível misturar artes marciais com uma história certinha.

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Os anos 90 foram os melhores da carreira do ator. Quem não se lembra de Ghost – Do outro lado da vida? A história do casal formado por Swayze e Demi Moore, no auge da beleza, rendeu milhões de dólares e o Oscar de melhor atriz coadjuvante para Whoopi Goldberg. Após dois filmes leves e românticos que renderam boas críticas e bilheterias estrondosas, o ator parecia ter encontrado um lugar na indústria cinematográfica.

caçadores de emoção 5Apostando na diversidade de papéis e com ótimo feeling para farejar novos sucessos, Swayze embarca em outro projeto fadado a ser apenas mais um filminho de ação. Caçadores de Emoção reuniu um elenco afinado, encabeçado por Patrick Swayze, Keanu Reeves e Gary Busey, um roteiro interessante e uma fotografia de cair o queixo! Tudo isso combinado a boa direção de Kathryn Bigelow resultou em novo sucesso para Swayze e um grande empurrão para Keanu Reeves que começaria a escrever seu nome nos projetos de ação.

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Em 1992 estrelou A cidade da esperança, de Roland Joffé, e esse talvez seja seu último bom papel nos cinemas.  Swayze é Max Lowe um jovem médico norte-americano, atormentado pela culpa após perder um paciente na mesa de cirurgia, que parte para a Índia buscando conforto para suas angústias. O filme não obteve grande êxito comercial, mas fez uma considerável carreira nas locadores de vídeo e merece uma olhada mais atenta.

Professor de dança, leão-de-chácara, executivo, surfista e médico, personagens distintos e que possuíam um carisma marcante. Não gosto de rotular ou empregar termos  de forma exagerada, mas acompanhando cinco momentos de Swayze, o termo cult veio à tona.

Patrick Swayze não foi o galã ou o ator que a indústria do entretenimento almejava, mas foi, sem dúvida, um ícone dos anos 80 e 90. Para a geração que cresceu com os esquecidos VHS e que fazia da ida à locadora uma verdadeira festa, Patrick Swayze e seus filmes foram exatamente o que eles estavam procurando. Swayze encantava as meninas sem enciumar os namorados, “Ora, o cara é mesmo maneiro”, era a frase comum para definir o galã.

Pois é, vale a pena rever esses cinco filmes. O cara é mesmo maneiro.

Reeves e Swayse em Caçadores de Emoção

Reeves e Swayze em Caçadores de Emoção

Fellini & Rossellini

10/09/2009

federico-felliniPoucos cineastas conquistaram o direito de serem chamados de artistas. Federico Fellini criou um mundo tão particular em seus filmes que é impossível sair do cinema sem compartilhar um pouco dessa visão.

Fellini por Fellini reúne textos escritos pelo próprio diretor. É um livro difícil de ser achado, a ultima edição saiu em 1986 – mas pode ser encontrado em sebos.

Federico Fellini – Fazer um filme é uma chance de conhecer o cineasta através de sua obra. Fellini tenta explicar como surge a criação, como as idéias nascem e como o filme vai ganhando forma no meio do caminho.

Nunca imaginei me tornar diretor, mas do primeiro dia, da primeira vez que gritei: ‘Luz! Câmera! Ação! Corta!’, pareceu-me sempre ter feito aquilo, não poderia fazer nada diferente, aquilo era eu e aquela era minha vida.

maoFellini fala sobre o mundo do circo que tanto o apaixona, comenta a escolha de elenco, conta histórias dos bastidores, a amizade com Mastroianni. Um livro para ficar na cabeceira.

Eu, Fellini escrito por Charlotte Chandler é nas palavras do próprio Fellini um livro definitivo: “Eu só tenho uma vida, e eu a contei a você . Esse é o meu testamento, pois nada mais tenho a dizer.

O diretor sempre odiou entrevistas e nunca gostou de festas e recepções, mas nesse livro Fellini mostra uma paciência sem limites, fala de todos os filmes, discute a crítica cinematográfica, se derrama de amores pela sua Giulietta e revela pensamentos antes desconhecidos.

Era de se pensar que Fellini seria um grande diretor. Seu primeiro trabalho no cinema foi como assistente de direção de Roberto Rossellini em Roma, cidade aberta.

O script de Roma città aperta foi obra de uma semana. Fui contratado como roteirista e assistente de direção. Eu merecia aquele trabalho, mas nem todo mundo nos dá o que merecemos. Robertino jamais foi avarento com algo.

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A admiração era mútua. Em Fragmentos de uma autobiografia, Roberto Rossellini fala de seus filmes e das idéias de um novo cinema. Rossellini deixou Hollywood de lado para se dedicar ao seu próprio cinema. Poucos diretores teriam essa coragem.

Roberto Rossellini morreu antes de terminar o livro. “O texto fica tal como o cineasta o deixou: fragmentos no plano autobiográfico, mas um trabalho articulado quanto à interpretação. Rossellini escrevia por fragmentos (mas não era também assim que filmava?).”

Para quem acha que o neo-realismo foi um movimento pensado, estudado … que tal ler o que o chamado ‘pai do neo-realismo’ tem a dizer?

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Fellini por Fellini

Editora L&PM

Federico Fellini, Fazer um filme

Civilização Brasileira

Eu, Fellini de Charlotte Chandler

Editora Record

Roberto Rossellini, Fragmentos de uma autobiografia

Editora Nova Fronteira